Leite condensado sobra no governo Bolsonaro, auxílio não tem

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É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em países como Timor Leste e Angola e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). Diretor da ONG Repórter Brasil, foi conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão (2014-2020) e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos (2018-2019). É autor de “Pequenos Contos Para Começar o Dia” (2012), “O que Aprendi Sendo Xingado na Internet” (2016), ?Escravidão Contemporânea? (2020), entre outros livros.

As redes sociais entraram em polvorosa após viralizar uma reportagem de Rafaela Lima, do portal Metrópoles, mostrando que o governo federal adquiriu, em 2020, R$ 2,2 milhões em chicletes, R$ 8,9 milhões em bombons e R$ 31,5 milhões em refrigerantes, entre outros itens considerados supérfluos em um ano de pandemia que matou milhares e estourou o orçamento do país.

A cereja do bolo, ou o seu recheio, foram os R$ 15,6 milhões consumidos na forma de leite condensado - produto que Jair Bolsonaro gosta de passar no pão no Palácio do Alvorada.

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Enquanto isso, milhões de brasileiros deixaram de lado esses itens ao fazer as contas no caixa do supermercado por conta do aumento nos preços do arroz, do feijão, do óleo de soja. No ano passado, a inflação para os mais pobres foi de 6,22% enquanto a que atingiu os mais ricos ficou em 2,74%, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Como justificativa para os gastos, o Poder Executivo afirmou que precisa sustentar uma tropa, literalmente, apontando que o maior gasto nessa área foi das Forças Armadas. Os valores precisam ser investigados. Até porque a reportagem mostra que ao consumir R$ 1,8 bilhão em alimentos, o governo gastou 20% a mais do que em 2019 - como referência, o IPCA de 2019 foi de 4,31%. É esperado que governos comprem alimentos para militares, estudantes, servidores, convidados, mas que também cuidem bem da coisa pública.

Se não houve um esquema de desvio de verbas escondido em meio ao chiclete e ao leite condensado, isso significa que Bolsonaro é mais insensível à situação do país do que parece. Ou mais incompetente. Ou os dois juntos.

Lagosta para lá, vinhos para cá, gastos supérfluos ocorreram em todos os governos até aqui e também beneficiaram membros dos Poderes Legislativo e do Judiciário. O que causou uma indignação diferente, neste momento, é que o presidente vem sendo criticado por sua necropolítica, conduzindo conscientemente o país em direção à tragédia, esquivando-se de ser o líder que o país precisa durante uma crise humanitária e econômica. Um líder, por exemplo, garantiria que gastos fossem racionalizados.

Ao mesmo tempo, a indignação vem do fato que o governo usou a justificativa da falta de recursos para interromper o pagamento do auxílio emergencial em dezembro. O benefício garantiria não apenas a manutenção de trabalhadores no momento em que a segunda onda leva a um novo fechamento de atividades, mas também ajudaria a evitar queda maior da economia.

O governo gastou, em 2020, R$ 2,2 milhões em chicletes, R$ 8,7 milhões em bombons, R$ 31,5 milhões em refrigerantes e R$ 15,6 milhões de forma de leite condensado. Economizar nisso não geraria o suficiente para bancar continuidade do auxílio emergencial a dezenas de milhões de famílias pobres. Mas mostraria que no momento mais sombrio da história recente do país, Bolsonaro não toca a máquina pública como se cuidasse de uma festa infantil.

Ao ver esses gastos, é como se ouvíssemos o presidente dizer novamente “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”, como disse, em abril do ano passado, sobre os mortos na pandemia.

No dia 15 de março de 2020, em uma manifestação a favor de Bolsonaro, no Rio de Janeiro, fãs do presidente carregavam cartazes trazendo um “foda-se” gigante. Esses gastos são mais um capítulo dessa era em que o governo nos meteu, a Era do Foda-se.

Bolsonaristas dizem, nas redes sociais, que esses valores são pequenos em comparação a outras sangrias no orçamento - a mesma justificativa usada para menosprezar os desvios de recursos públicos que, segundo o Ministério Público, foram comandados pelo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), no que convencionou se chamar de “escândalo das rachadinhas”. Ou seja, sacanagem ocorre quando envolve o outro lado.

O ano começa sem oxigênio, sem perspectivas de vacinação em massa, sem empregos, sem auxílio emergencial. Mas com a garantia que chiclete, bombom, refrigerante, leite condensado e cara de pau não vão faltar ao governo.

Governo Bolsonaro gasta R$ 15 milhões só com leite condensado em 2020

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Governo Bolsonaro gasta R$ 15 milhões só com leite condensado em 2020

O governo de Jair Bolsonaro gastou mais de R$ 1,8 bilhão em alimentos em 2020. Um dos itens que mais chamou a atenção foi o gasto de mais de R$ 15 milhões com leite condensado.Um dos pratos preferidos do presidente é comer o produto com pão. As informações são do (M) Dados, do portal Metrópoles.

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O Executivo federal também gastou mais de R$ 2,2 milhões com chicletes, R$ 32,7 milhões com pizza e refrigerante e R$ 6 milhões com frutos do mar. O órgão que teve mais gastos foi o Ministério da Defesa, que gastou R$ 632 milhões com alimentos, incluindo mais de R$ 2 milhões só com vinhos.

O Ministério da Economia disse ao Metrópoles que o ministério lidera os gastos porque alimenta “tropas das forças armadas em serviço”, mas disse que as despesas estão “dentro do orçamento”.

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Governo pagou R$ 162 em lata de leite condensado; veja valor de outros itens

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Divulgação Governo Federal pagou R$ 162 em duas caixas de leite condensado

Após a informação divulgada na manhã desta terça-feira (26) de que o Governo Federal teria comprado R$ 15 milhões em leite condensado em 2020 , o Portal iG analisou algumas licitações de setembro do ano passado no Painel de Compras e constatou que o Ministério da Defesa gastou R$ 324 em duas caixas de leite condensado de 395 gramas. Os produtos, de acordo com o certame, são do tipo desnatado, com leite in natura e light.

No resultado da licitação, é possível encontrar cada unidade por R$162. Na internet, a reportagem encontrou o mesmo produto, com características semelhantes, por R$ 28.

Os resultados podem ser encontrados na licitação 77/2020, destinada ao 3º Esquadrão da Cavalaria do Exército , em setembro de 2020. O fornecedor é a Saúde & Vida Comercial de Alimentos.

Ainda no certame, o Governo Federal adquiriu 20 unidades de bacon defumado, com valor de R$ 31,20 a unidade. No total, só com este item, a União gastou R$ 624. O Ministério da Defesa solicitou, também, 54 unidades de creme de leite , gastando R$ 164, além de 60 kg de carne , totalizando R$ 2.005,50.

Em um certame anterior realizado com a mesma empresa, a terceira unidade da cavalaria adquiriu 24 unidades do mesmo leite condensado por mais R$ 324, ou seja, R$ 13,50 por unidade .

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O Painel de Compras aponta que há três licitações registradas em dias diferentes, com os mesmos valores e produtos. A diferença fica por conta do valor das unidades e a quantidade adquirida pelo Ministério da Defesa.

Apenas com alimentação, 3º Esquadrão da Cavalaria do Exército gastou R$ 48.717,31 em setembro do ano passado.

O Portal iG tentou entrar em contato com a empresa Saúde & Vida Comercial de Alimentos por telefone, mas não obteve retorno. O Ministério da Defesa não respondeu os questionamentos feitos pela reportagem até a publicação da mesma.

Gastos com leite condensado

O gasto com leite condensado está entre os principais do Executivo federal, sob o comando do presidente Jair Bolsonaro , em 2020. De acordo com um levantamento do (M)Dados, núcleo de jornalismo de dados do Metrópoles , com base no Painel de Compras atualizado pelo Ministério da Economia , o gasto com o produto, que o presidente gosta de comer com pão, ultrapassou os R$ 15 milhões.

De acordo com o levantamento, o órgão que mais gastou foi o Ministério da Defesa, que totalizou mais de R$ 632 milhões em gastos alimentares. Só de vinho, a pasta ultrapassou os R$ 2,5 milhões.

O Ministério da Economia justificou que a maior parte do gasto com alimentação é do Ministério da Defesa “porque se refere à alimentação das tropas das forças armadas em serviço”. A pasta ainda acrescentou que “toda despesa efetuada pela Administração Pública Federal está dentro do orçamento”.